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terça-feira, 29 de julho de 2014

"Sexualidade e saúde mental de mulheres após divórcio", por Lígia Baruch

Atenção: o artigo abaixo é de Ligia Baruch Figueiredo, Psicóloga, CRP 06/104252, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/SP

"A sexualidade feminina é um tema importante na contemporaneidade e sua associação com a saúde mental e bem-estar já é amplamente aceita, mas ainda carrega preconceitos. Por exemplo, o desejo e o seu exercício, bem como o namoro, são geralmente associados à juventude, e mesmo quando se estuda a mulher adulta, a sexualidade está, na maior parte das vezes, condicionada à conjugalidade.
Esse panorama é, entretanto, muito mais amplo e complexo, como pudemos observar no dia a dia da clínica. Notávamos que muitas mulheres divorciadas, na faixa dos 45-70 anos, chegavam ao consultório psicológico com questões semelhantes às trazidas pelas mais jovens: as histórias dos seus relacionamentos amorosos e dos seus rompimentos. Traziam, porém, outras demandas e dúvidas. Estavam longe do “mercado matrimonial” há muito tempo e não sabiam se os códigos de conquista e namoro aprendidos na juventude ainda eram válidos, nem se haveria espaço no mundo dos solteiros para mulheres acima dos cinquenta anos, ou seja, se poderiam pensar em relacionamentos futuros. Outro aspecto desta realidade feminina referia-se, também, à vida sexual. Percebíamos, nessas mulheres recém separadas, um sentimento de desorientação em relação à própria sexualidade, dúvidas bem concretas à respeito do que ainda lhes cabiam na idade em que estavam.
            No passado, a vida sexual das mulheres esteve aprisionada ao casamento. Códigos de conduta e processos de controles religiosos, legais ou científicos buscaram ao longo dos séculos reprimir a possibilidade de agenciamento da sexualidade por parte das mulheres (Foucault, 1977). Portanto, não era de se admirar o pouco contato destas mulheres com o próprio desejo, mesmo na contemporaneidade.
            O desenvolvimento da pílula anticoncepcional libertou a sexualidade dos domínios da procriação e possibilitou à mulher o agenciamento do próprio corpo. Além disso, a partir da década de 1970, a exponencial entrada feminina no mercado de trabalho, favorecida pelo conjunto de eventos políticos, movimentos de direitos civis, e econômicos (economia de serviços), redefiniu o balanço das relações entre homens e mulheres no espaço público e privado.
            Este artigo pretende contribuir com a compreensão destas mudanças. Foi desenvolvido a partir de uma pesquisa de mestrado fundamentada nos estudos sobre gênero e concentrou-se nas mudanças ocorridas na sexualidade feminina. Por uma questão estratégica, optamos por investigar mulheres que se divorciaram após casamentos de longa duração, vinte anos ou mais. Mulheres que, provavelmente, estiveram durante muito tempo, afastadas dos códigos sociais de condutas sexuais aos não casados, facilitando-nos perceber as demandas e as transições necessárias entre normas, atitudes, valores e comportamentos.
 Acreditamos que estas mulheres estejam numa posição favorável à revisão dos valores tradicionais recebidos, a respeito da própria sexualidade, pois alguém só pode reinventar-se quando vivenciou algum modelo anterior.
            A relevância em estudar mulheres divorciadas após casamentos de longa duração é grande, ao observarmos que a taxa de divórcio cresce entre os estratos mais velhos da população: nos últimos anos, uma em cada cinco sentenças de divórcio envolveu casais com 20 anos ou mais de união. Os casamentos moldados na complementaridade provedor/dona de casa desestabilizaram-se e isso contribuiu para a escalada do divórcio neste grupo de casais maduros. Essa situação pode ser particularmente difícil para as mulheres mais velhas, já que muitas se casaram no tempo do “para sempre” e não desenvolveram projeto de vida pessoal, fora dos domínios da conjugalidade e da família (Souza, 2008).    
            Pensamos ser importante questionar o que acontece com uma geração de mulheres, que foi educada em um modelo de relacionamento tradicional, viveu um casamento dentro dos moldes estabelecidos e em certo momento deparou-se com as limitações do mesmo. Esta questão nos suscitou as seguintes perguntas:
-Encontram modelos alternativos de relacionamento?
-Buscam os mesmos modelos anteriores, por meio de um novo casamento?
-Adaptaram-se ou não, às novas demandas dos relacionamentos contemporâneos?  
Partindo destes questionamentos iniciais, buscamos compreender se houve mudanças nas crenças, expectativas e comportamentos dessas mulheres.
O divórcio pode disparar uma situação de crise para os envolvidos, muitos pesquisadores do assunto concordam quanto a esse aspecto (Ahrons, 1995; Hetherington & Kelly, 2003; Féres-Carneiro, 1987, 1995; Souza, 2008) e quando acontece num momento do ciclo vital em que questões sobre o envelhecimento começam a aparecer, podemos pensar numa sobreposição de crises. No entanto, quando bem elaborada, a crise disparada pelo rompimento conjugal pode traduzir-se em oportunidade de se rever e revelar, em experiência de crescimento (Souza, 2008).
            A crise proporcionada pelo divórcio, somada às questões trazidas pela meia-idade (ao se confrontar com as questões sobre o envelhecimento e a finitude da vida) pode traduzir-se em riscos à saúde emocional e física de qualquer indivíduo, mas a partir de um bom enfrentamento da crise, uma pessoa pode tornar-se mais resiliente, demonstrando uma adaptação adequada ou superior e desenvolvendo novos aspectos que talvez não se fizessem presentes sem a crise.
            Esta foi a realidade que encontramos nas cinco mulheres divorciadas, com idades entre 46-70 anos pesquisadas para a dissertação, Uma revolução silenciosa: a sexualidade em mulheres maduras (Figueiredo, 2011). Por uma questão de sigilo, seus nomes foram trocados por pseudônimos.
            Das cinco mulheres entrevistadas, todas tiveram sua primeira relação sexual dentro de relacionamentos de namoros estáveis, sendo que três tiveram sua primeira relação sexual com o cônjuge, e duas delas casaram-se virgens: “Eu casei virgem! Fui educada para isso (...) eu sempre respeitei muito essa coisa, é de criação mesmo, isso não é muito bom às vezes não, viu?” (Penélope, 70 anos).
Na sexualidade o aspecto tradicional foi, muitas vezes, nomeado como rigidez, fechamento, passividade. Como se o movimento de busca do encontro amoroso, ou a demonstração do desejo sexual, não pudesse fazer parte do repertório feminino. A iniciativa sexual, tida como uma característica naturalmente masculina, provavelmente não era estimulada, nem bem vista na sociedade da época. “Nossa, foi aquilo que eu lhe falei lá no começo eu sempre fui uma pessoa muito fechadinha, muito certinha, regradinha...” (Angela, 53 anos).
As cinco mulheres entrevistadas surpreenderam-se com uma expansão da capacidade de experimentar o prazer após a dissolução do casamento. Podemos observar que o divórcio funcionou como um importante ritual de passagem de um modelo de mundo para outro: “daqui para frente tudo vai ser diferente...” e de revisão de valores que favoreceu a expansão da vivência sexual destas mulheres, da mesma forma que já havia sido identificado em algumas das participantes da tese de Hime (2004).
Outro aspecto da revisão do projeto feminino com reflexos na vida sexual refere-se ao momento do ciclo vital familiar, quando os filhos crescidos saem de casa. Algumas mulheres parecem sentir uma maior liberdade, que favorece a expansão da vivência sexual:
É muito legal transar numa casa onde no quarto ao lado não está o seu filho... E isso é uma coisa que uma mulher casada tem mais dificuldade(...) a sexualidade é algo restrito a um quarto, então você tem aí todo um encolhimento corporal, energético, dos sentidos...(Laura, 49 anos).
Nesse diálogo de Laura, podemos perceber que o “ninho vazio” pode favorecer a expansão da vivência sexual, liberando o espaço, antes dominado pela família e pelos filhos, agora só ao casal.
Podemos pensar que depois de terem cumprido com o script tradicional de cuidadoras da família, dos valores atrelados à sua manutenção e ao se deparar com suas limitações, essas mulheres sentiram-se mais liberadas para reinventar suas próprias regras.
            Com os filhos crescidos e mais independentes, essas mulheres sentem-se mais livres, maduras e seguras, diferentes do modelo de mulher que foram enquanto casadas. Nas novas regras, elas experimentam um aspecto central, o priorizar-se e o cuidar de si. No aspecto específico da sexualidade, isso significa priorizar o próprio prazer.  Podemos perceber isso no relato de Bárbara, 46 anos. “Eu falei para ele: eu estou completamente centrada nas minhas emoções e conectada com o meu prazer!” Nesta priorização do prazer, a mulher sai do lugar de objeto de desejo do outro, para o lugar de sujeito do próprio prazer. Nesta nova situação de agentes do próprio desejo, a culpa desaparece ou diminui sensivelmente. Mais importante ou tão importante quanto satisfazer o outro, é tirar satisfação da situação sexual. Com isso, aspectos que eram centrais para a mulher no modelo anterior, como os estereótipos de beleza e juventude, vão diminuindo de importância e aproximando-se dos modelos definidos como tipicamente masculinos. O transar apenas pelo prazer já faz parte do seu repertório, não é mais uma exclusividade masculina.
O climatério, para algumas das nossas entrevistadas, coincidindo com esse momento de maior maturidade e pós-divórcio, não deixou de ser sentido com suas mudanças físicas e emocionais, mas um aspecto salientado foi que, ao contrário das expectativas, o desejo sexual, ao invés de diminuir, aumentou.
Podemos concluir que a vivência do climatério é diferente em cada mulher e apesar das mudanças fisiológicas previsíveis, os aspectos psicológicos podem tornar os transtornos físicos menos relevantes. O mais importante nesse momento, é saber o quanto a mulher está madura, do ponto de vista emocional, para lidar com as adaptações necessárias nesse momento do seu ciclo vital.
Respondendo a nossas perguntas iniciais, podemos dizer que as mulheres entrevistas na nossa pesquisa estão encontrando modelos alternativos de relacionamento e adaptando-se às novas demandas dos relacionamentos contemporâneos. Estão mais maduras, autônomas e criando suas próprias regras"

Referências bibliográficas:

AHRONS, C.R. (1995). O Bom Divórcio: como manter a família unida quando o casamento termina. Rio de Janeiro: Objetiva.

FÉRES-CARNEIRO,T. (1987). Aliança e sexualidade no casamento e no recasamento contemporâneo. Psicologia:Teoria e Pesquisa. Brasília,v.3,n.3, p.250-261.

FÉRES-CARNEIRO,T. (1995). Casais em terapia: um estudo sobre a manutenção e a ruptura do casamento. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v.2, n.44, p.67-70.

FIGUEIREDO, L.B. de. (2011). Uma revolução silenciosa: a sexualidade em mulheres maduras. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

FOUCAULT, M. (1977). História da sexualidade. Rio de Janeiro, Graal.
Vol. 1,2 e 3.

HETHERINGTON, M.E.; KELLY, J. (2003). For Better or for Worse: divorce reconsidered. New York: W.W. Norton. 

HIME, F. A. (2004). A biografia feminina e as histórias das relações amorosas “o vôo da fênix”. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

SOUZA, R.M. (2008). Começar de Novo: as Mulheres no Divórcio. Em Valéria Meirelles (Org.). Mulher do Século XXI. São Paulo: Ed. Roca.

3 comentários:

  1. Nossa, amei seu texto. Parabéns pela dissertação!!! Tenho 34 anos e acabo de me divorciar de um casamento de 10 anos. Sei q seu objetivo foi outro, com mulheres mais velhas. Mas vi exatamente nelas, acho que talvez os paradigmas não tenhham sido tão diferentes. Além disso, é a primeira vez que vejo um texto que contempla o crescimento advindo do divórcio para as mulheras. Todos os texto que li anteriormente quase me deprimiram, não estivesse eu fortalecida. Só falam das questões negativas, de como a mulher separada ainda é vista, a dificuldade de achar um parceiro, etc. Sinceramente, sinto-me tão livre com minha separação, estou redescobrindo minha sexualidade sem culpas, assim como colocado em algum momento do texto. Sexo por sexo. Por que não? Se é de comum acordo, há discrição de ambas as partes, ninguém está enganando ninguém... Por que não posso sentir falta, como um homem? Mais uma vez parabéns pelo seu texto tão cientificamente renovador.

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    1. Obrigada por participar do meu blog. O texto é de Ligia Baruch de Figueiredo, que colocou um comentário logo abaixo. BJos Hamanndah

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  2. Ola,
    Sou a autora do texto acima, a organizadora deste blog gentilmente me enviou seu comentário, caso tenha interesse em ler o texto completo ele se encontra por meio do Google com o título: UMa revolução silenciosa: a sexualidade em mulheres maduras. Abs Lígia Baruch Figueiredo.

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E aí, gente, o que acharam? Ah, habilitei para anônimos de novo, então, favor, manter o nível!!

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